Como os municípios brasileiros são abastecidos?

11/07/2022
Em 2020 o Brasil produziu 16 bilhões de m³, mas a água que foi medida foi de 8 bilhões de m³, o que significa que o Brasil desperdiça metade do volume produzido.

A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) realizou o estudo “Atlas Águas”, para avaliar, entender e obter um diagnóstico do status da segurança hídrica no abastecimento urbano e a questão das perdas de água nas 5.570 cidades brasileiras. Sérgio Ayrimoraes, coordenador da Superintendência de Planejamento e Recursos Hídricos da ANA, disse que o trabalho começou em 2005 e analisa inicialmente a região do Semiárido nordestino, por causa da escassez de água, para verificar o grau de segurança hídrica e como era feito o abastecimento das cidades nordestinas e do norte de Minas Gerais. 

Concluído em 2006, o estudo foi ampliado para outras regiões brasileiras. “Verificamos que essa realidade da oferta de água e da baixa garantia para o abastecimento não ocorria só no Nordeste, mas em todo o território nacional”, destaca Ayrimoraes. Em 2010 esse diagnóstico do planejamento e oferta de água para todas as cidades do país foi consolidado no trabalho intitulado “Atlas de Abastecimento de Água”, sendo complementado em 2017 com a questão da coleta e tratamento do esgotamento sanitário, e no final de 2021 foram incluídas mais informações, e o estudo passou a se chamar “Atlas Águas”.

Para o coordenador, um dos principais pontos do levantamento realizado pela ANA era a identificação das perdas de água, verificando o caminho do insumo, desde a coleta no manancial até chegar à população. Isto era necessário para entender como as cidades brasileiras são abastecidas, quais são os mananciais, quais as características dos sistemas de produção de água para, a partir daí, fazer uma avaliação. “Reunimos essas informações junto aos prestadores de serviços de saneamento estaduais, municipais, autônomos e empresas privadas em forma de croquis – desde os sistemas de abastecimento mais simples até os mais complexos -, e verificamos a interdependência de vários mananciais pela necessidade de transferir água entre bacias hidrográficas”, detalha Ayrimoraes.

Sobre as perdas de água, o estudo mostrou que investimentos são fundamentais, mas também é preciso trabalhar a gestão. A ANA analisou as perdas com uso de um indicador de padrão internacional para avaliar o desempenho operacional na distribuição da água e índices de vazamentos em seus sistemas de distribuição. Com base nesses índices, os municípios foram classificados em cinco categorias que são referências internacionalmente utilizadas: A1 – padrão de excelência, com índice de desempenho operacional muito bom e bom gerenciamento de perdas de água; A2 – padrão de eficiência operacional que demanda ações pontuais; B – apresenta potencial de melhoria significativo; C – apresenta desempenho operacional muito ruim, com índice de perdas de água muito grande e D – apresenta desempenho sofrível, com uso muito ineficiente dos recursos em que a redução de vazamentos é um imperativo prioritário.“Foram selecionados vários municípios em que o combate e o gerenciamento de perdas de água significaria uma economia bastante robusta não só do ponto de vista de abastecimento à população, do meio ambiente e dos mananciais, mas também dos recursos da operação e da saúde financeira dos prestadores de serviços, uma vez que fazendo o combate e gerenciamento corretos das perdas de água elas dispensam investimentos em novos mananciais e em novos sistemas de produção e economizam despesas de exploração”, explica Ayrimoraes. O estudo está disponível no link https://atlas.ana.gov.br

Hélio Samora, CEO da SmartAcqua Solutions, afirma que os elos da cadeia do saneamento precisam se unir para o trabalho a caminho da modernização do setor e de um melhor atendimento à população, reduzindo as perdas de água para que a água chegue àqueles que ainda sofrem com a sua falta. “E as empresas de saneamento devem entender que investir em perdas dá retorno imediato, porque de fato o dinheiro já está nas companhias, mas é invisível e desperdiçado nas submedições, fraudes, vazamentos e demais irregularidades. Já existe tecnologia para auxiliá-las a melhorar a gestão e combater as perdas, como a SmartAcqua, que utiliza Inteligência Artificial”, destaca o executivo. Enéas Ripoli, CTO da SmartAcqua Solutions, comenta que é preciso avaliar a distribuição irregular de água em todo o Brasil. “No Norte há 70% da água disponível, mas a região concentra só 9% da população, onde se perde em média 75% da água potável. No Sudeste, que reúne maior número de habitantes (42%), há apenas 6% da água disponível e perde-se em média 48%. E cada vez vai piorando, porque cresce o número de pessoas se aglomerando em regiões com pouca água”. Devido à grande quantidade de água utilizada pelo agronegócio, há rios e córregos completamente secos em vários locais e pessoas precisam percorrer longas distâncias para encher seus baldes de água. A situação piora cada vez mais. Além disso, 85% do esgoto não é tratado, o que gera doenças e mortandade de peixes e animais. “Temos a cultura de que basta abrir a torneira e temos água. Achamos que será sempre assim, mas isso não é mais uma realidade”, destaca Ripoli. “Quanto mais o setor se profissionaliza, e estamos num contexto de maior profissionalização do setor, independentemente da natureza do prestador de serviço, e com uma regulação mais forte como a do novo marco regulatório do saneamento, essas questões, associadas à grande produtividade no tratamento, vão fazer com que a gestão das perdas se intensifique e passe cada vez mais a fazer parte da agenda do setor”, destaca Ayrimoraes

Rípoli dá exemplos de países como Dinamarca, Japão, Israel, entre outros, em que o índice de perdas é inferior a 10%. “Não é nada que não seja factível. É uma questão de querer reduzir as perdas e de ir atrás do problema. A diferença é que estes países têm gestão, porque usam os mesmos medidores, tubulações etc. que são empregados no Brasil. O problema é que aqui nada está sendo feito para recuperar as perdas”. Nos últimos cinco anos, as perdas têm se mantido iguais no Brasil e é preciso refletir sobre o que não está sendo feito para reduzir esses índices. “Temos vários desafios além daqueles que já foram colocados e que estão implícitos, como a energia elétrica que corresponde a 40% dos custos das empresas de saneamento e é usada para tratamento da água. Então está cada vez mais caro e as prestadoras acabam majorando as tarifas, criando uma bola de neve”.

Em 2020 o Brasil produziu 16 bilhões de m³, mas a água que foi medida foi de 8 bilhões de m³, o que significa que o Brasil desperdiça metade do volume produzido. Se as perdas baixarem de 40% (IN049 – SNIS 2020) para 25%, como estipula o marco regulatório, mais de 40 milhões de pessoas terão acesso a água potável de imediato, sem a necessidade de investimentos em novos mananciais e em outras ações. “E as companhias de saneamento teriam R$ 12 bilhões ao ano de recursos adicionais, que atualmente estão indo para o ralo, para melhorar os serviços e autofinanciar os projetos de combate às perdas de água”, completa Ripoli. Hélio Samora complementa lembrando que no Brasil os números são enormes e há muitas oportunidades de melhorias. “Mais uma vez ressalto que as perdas se autofinanciam, ou seja, com a redução das perdas sobram recursos para serem investidos em melhorias dos serviços. É um investimento que tem retorno garantido”, conclui.